Sobremesas 'saudáveis': confeitarias investem em doces sem glúten, lactose e refinados

Sobremesas 'saudáveis': confeitarias investem em doces sem glúten, lactose e refinados

Do tipo mais formiga ou não, é difícil encontrar quem resista a uma fatia de bolo de chocolate molhadinho, uma bola de sorvete em uma tarde de verão e, que dirá, um brigadeiro na mesa de festa de criança. Um docinho traz alegria, encerra a refeição e ainda acalma os anseios em momentos de tensão. Imagine, então, uma vida longe deles - passar em frente de uma confeitaria e ter de resistir às belas tortas ou entremets, seja por uma intolerância ou doença crônica, como diabete -, tarefa fácil, não é.

Os doces diet (sem açúcar) não são novidade. Sempre estiveram ali, mas escondidos no fundo da vitrine, sem muito cuidado ou apelo. As versões sem glúten ou lactose, para acolher os intolerantes, são tendência mais recente, mas surgem mais para suprir uma demanda fitness do que de fato aos interessados - sempre acompanhados de um slogan, aparência ou ingrediente fit (haja whey protein), e vendidos nas lojas ao lado de suplementos alimentares e não em belas travessas exibidas em vitrines ou embalagens elaboradas.

Mas uma nova leva de confeitarias vem surgindo para mudar essa cena. Elas procuram, acima de tudo, satisfazer as indulgências dos privados - e incluir todxs nas celebrações - ao oferecer sobremesas deliciosas e elaboradas, passando por cima das restrições.

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"Tento criar doces que agradem a todos e também atendam todos, que podem ser levados como uma sobremesa em um jantar, sem ficar de escanteio apenas para os intolerantes, - com sabor e apresentação como qualquer outro", conta Isabela Akkari, uma das pioneiras nessa maré, que comanda a confeitaria que leva seu nome.

#Sem, sem, sem

A proposta das confeitarias é oferecer sobremesas caprichadas, livres de glúten, lactose, refinadas e conservantes artificiais. Além de opções veganas e zero açúcar. Para isso, elas apostam em farinhas alternativas, como as de arroz, coco e amêndoas, chocolates veganos, leites vegetais, açúcar e óleo de coco e adoçantes naturais.

Agora, se a sua grande dúvida é a mesma que a minha: o discurso é bem acompanhado de sabor? Uma fatia do double chocolate cake (#semaçucar #semlactose #semglúten) de Akkari desfaz qualquer suspeita. A massa escura é fofa e úmida, com sabor intenso de cacau e recebe generosa calda de brigadeiro de leite condensado produzido na casa, feito com leite sem lactose. O mesmo vale para os alfajores, que surpreendem até os desavisados de sua lista de ingredientes - são todos um tantinho menos doces que as versões tradicionais, o que, na realidade, é uma boa pedida.

Alquimia

Os doces são criados a partir da receita original. Alguns testes chegam a demorar seis meses - original e "fake" são provados lado a lado até (quase) não se sentir a diferença. "A farinha de trigo é perfeita para a confeitaria, o bolo fica macio, com estrutura. Quando ela é tirada, não basta substituir por outra, é preciso fazer uma combinação de ingredientes. A farinha de coco, por exemplo, dá estrutura, enquanto a de amêndoas confere umidade. Vou fazendo ajustes nos elementos para ficar com a consistência e o sabor do tradicional", explica Giovana Vasto, da confeitaria Healthy Things, ou HT, como é conhecida.

Com diploma de pâtisserie da Cordon Bleu de Londres e passagens por cozinhas aclamadas como a do chef Alain Ducasse e do Blue Hill Stone Barns, nos EUA, Giovana, de volta ao Brasil, tentou aplicar o que aprendera em ambas experiências em algo que lhe fizesse sentido. "Na confeitaria clássica francesa, por mais incrível e deliciosa que seja, há muito uso de manteiga, cremes, açúcar refinado… No Blue Hill, tive contato direto com os melhores ingredientes, usados na sua forma mais natural, e entendi o quanto eles são importantes para o resultado final."

 

 

Entre seus maiores orgulhos (e sucessos de vendas) estão os brownies, molhadinhos e com casquinha crocante de chocolate, sem glúten ou lactose, vendidos em versão com açúcar de coco ou a diet, preparada com xilitol, adoçante natural com poder adoçante parecido com o do açúcar refinado, e sem o retrogosto artificial. Mas Giovana prioriza o uso do açúcar de coco. "Deixo sempre bem claro para os clientes que este é um produto voltado para os diabéticos, e que o xilitol pode dar efeito laxativo."

 

Healthy Bites é outra confeitaria "saudável" que não brinca em serviço quando o assunto é saciar a vontade de açúcar - mas sem ele. Úmidos, macios, com recheios equilibrados, os bolos desenvolvidos por Victória Della Manna, à frente da marca, deixam claro que nem só de glúten (açúcar ou lactose) se fazem as massas mais fofas. E se tiver de começar por um, vale provar o bolo de coco com recheio e cobertura de doce de leite.

A turma também se aventura pelos doces veganos - sem ovos, sem manteiga nem leite -, um desafio e tanto quando se trata de confeitaria. Na Cacau Vanilla, da nutricionista e confeiteira Renata Baldin, todos os doces são livres de ingredientes de origem animal - sem abrir mão do paladar. Ela usa e abusa do cacau de boa qualidade, tâmaras, passas, linhaça, chia e uma velha conhecida dessa turma, a biomassa de banana verde. Seu cardápio passeia por mais de 50 itens, entre tortas, bolos de festas - lindíssimos, diga-se de passagem - e brigadeiro, que, acredite, é muito similar ao original.

Doce sem culpa?

Boa parte dessas confeitarias carrega o aposto saudável, ou "healthy", em inglês, no nome. Cada uma levanta uma bandeira sobre o que é saudável, seja pela escolha dos ingredientes ou mesmo pelo fator nutricional das receitas. Para a nutricionista Sophie Deran, doutora no departamento de endocrinologia da Faculdade de Medicina da USP, o emprego da palavra saudável é complexo. De um lado, é fato que precisamos diminuir a quantidade de açúcar ingerida.

"O Brasil consome muito açúcar. De acordo com estudo da Organização Mundial de Saúde, consumimos diariamente 50% a mais do que o recomendado. O problema é que ele não deve ser simplesmente substituído." Ela lembra que os adoçantes ou açúcares alternativos também têm efeitos nocivos para nosso corpo se consumidos em excesso. Outro importante alerta que Deran faz é sobre achar que um doce sem glúten é mais saudável do que o com o ingrediente. "Se você não tem uma questão com ele, não deveria evitá-lo. Deixar de consumir tais produtos não torna, necessariamente, uma dieta mais saudável."

Olhar esse parecido com o da confeiteira Regina Paula, da Fioca, instalada em um charmoso sobrado na Vila Buarque. Para ela, o saudável é o mais natural possível. Ali ela preza pelos alimentos orgânicos, de procedência -- os ovos e algumas das frutas usadas nos confeitos vêm da granja da família. O açúcar branco passa longe -- ela dá preferência ao mascavo ou demerara, sempre na menor quantidade possível, mas sem demonizá-los. "Meus clientes já sabem que o meu doce não é tão doce, mas com o tempo percebem que não há necessidade."