Consegui! Doar sangue é possível mesmo para quem tem medo

Desmaios e mal-estar faziam parte da minha vida ao ver até mesmo um pequeno corte no dedo

Consegui! Doar sangue é possível mesmo para quem tem medo

Uma única vez eu desmaiei quando vi meu próprio sangue, e isso bastou para que um trauma fosse criado. Um dia cortei um dedo ao lavar a louça e, poucos minutos depois, estava estendido no chão enquanto um amigo tentava me socorrer. Desde então, encarar a agulha em exames de rotina ou imaginar que estava sangrando era suficiente para ficar pálido, sentir a vista escurecer e perder as forças.

Por causa disso, nunca tive coragem de doar sangue, mesmo sabendo da importância dessa atitude e entendendo que poderia salvar a vida de até quatro pessoas com apenas uma bolsa de cerca de meio litro.

As notícias sobre os baixos níveis dos bancos de sangue e a falta de doadores no começo de cada ano pareciam ser um chamado para encontrar coragem, mas nunca tomava a iniciativa.

Em um dia ensolarado de folga decidi que precisava tentar. Tomei um café da manhã, mas sem exageros, me troquei, conferi o documento com foto na carteira e estava pronto para ir.

Antes de abrir a porta, calculei o tempo do trajeto até o hospital, somei com o horário em que estava saindo de casa e concluí: não vai dar tempo. Imaginei que a equipe de enfermagem estaria próxima do horário de almoço e todo o processo de doação ficaria muito corrido. Eu queria desmaiar sem pressa.

 

Fui convencido pela minha namorada, que também ia doar sangue para me encorajar, de que era só medo, e a tentativa de autossabotagem foi por água abaixo.

Antes da doação

Cheguei ao hospital, peguei minha senha, sentei-me na sala de espera e comecei a repassar tudo o que tinha feito até aquele momento que poderia me fazer passar mal: comi muito, dormi pouco, não tomei água suficiente...

Espera no centro de doação foi um dos momentos de mais ansiedade

Espera no centro de doação foi um dos momentos de mais ansiedade

PABLO MARQUES/R7

Fiz o cadastro e fui para a entrevista com a enfermeira Débora Alves Santos. O computador não estava funcionando, e fiquei alguns minutos esperando o problema técnico ser resolvido. A solução foi mudar de sala. Percebi que estava muito nervoso por causa da demora. Tudo levava a crer que eu iria passar mal de novo.

Decidi puxar um assunto com a Débora e falamos sobre a pandemia, o movimento de doadores no ano, e daí avisei que eu tinha grandes possibilidade de desmaiar durante a doação. Ela explicou em detalhes como seria, contou alguns casos de pessoas que ela conhecia e foi tentando me acalmar.

Respondi ao famoso questionário de doação. As perguntas são pensadas para tentar garantir que o paciente que receberá o sangue não estará exposto a nenhum risco. Fez tatuagem recentemente? Faz uso de drogas? Teve relação sexual sem proteção?

A doação

Por ser um dia de semana e perto do horário de almoço, a sala em que fiquei antes de ser chamado estava vazia e aproveitei para tomar um suco e pegar umas bolachas, já que fui informado de que comer alguma coisa doce antes poderia ajudar.

Enquanto não me chamavam, fiquei lendo os recados que doadores escreveram em uma lousa. Foi bom saber que outras pessoas também ficaram inseguras. Uma até escreveu: “Sobrevivi”.

Mural com recados dos doadores

Mural com recados dos doadores

PABLO MARQUES/R7

Fui chamado. Na minha memória, na última vez que passei mal tinham posto a agulha no meu braço direito. Podia não fazer nenhum sentido, mas achei que o fato de ser canhoto me faria ficar mais seguro se a agulha fosse colocada no esquerdo.

Eu me acomodei na cadeira, estendi o braço escolhido e me preparei para a agulhada. A enfermeira prendeu a minha circulação, pediu para eu abrir e fechar a mão e concluiu que era melhor testar outra veia. Fiquei meio preocupado e já achei que iria desmaiar. Aperta, prende, solta, abre, fecha e o veredito é que minha veia no braço direito era melhor. Só aceitei.

Sinto o gelado do álcool, olho para a televisão e faço um comentário sobre o filme que está passando para tentar pensar em outra coisa. A Débora pede que eu respire fundo uma vez. O ar entra, o ar sai, e nada da agulha. Repito o processo, os óculos embaçam por causa da máscara, não vejo nada e sinto que fui furado. Meu braço começa a formigar, ponho foco no filme.

A agulha no meu braço fica coberta com algumas gazes para eu não olhar. A cadeira ficou em uma posição mais inclinada para "enganar" o meu cérebro e o meu corpo não perceber que meio litro de sangue estava sendo transferido para uma bolsa.

Enfermeiras cobrem agulha em pacientes que têm medo de sangue

Enfermeiras cobrem agulha em pacientes que têm medo de sangue

PABLO MARQUES/R7

Já tinha ouvido falar nessa estratégia, mas sempre achei que era algo vergonhoso e que ficaria com os pé lá em cima enquanto todo mundo ao meu redor estaria sentado normalmente.

Olhos fixos no Tom Hanks, que encara as ondas de uma ilha deserta acompanhado de uma bola de vôlei. Fico me distraindo e tomo coragem para dar uma conferida.

Doação leva cerca de 10 minutos

Doação leva cerca de 10 minutos

PABLO MARQUES/R7

Cerca de 10 minutos depois, a Débora volta, avisa que vai passar um pouco de álcool no braço e… pronto, agulha fora do braço, bolsa cheia de sangue e lábios longe de estarem pálidos como nas últimas vezes. Contente com o resultado, decidi dar uma olhadinha na bolsa e pedi para segurá-la.

A minha descida da cadeira é um pouco mais lenta, para evitar qualquer mal-estar. Deu tudo certo! Levantei da cadeira, peguei minhas coisas e fui em direção à lousa deixar o meu recado. Em vez de "sobrevivi", optei por "consegui". Achei que era mais encorajador.

Depois de 15 dias recebo o resultado dos exames que fazem com o sangue de todos os doadores e uma carteirinha. Vamos ver se daqui a 90 dias encaro uma nova doação.

Também deixei meu recado para que outras pessoas o vejam

Também deixei meu recado para que outras pessoas o vejam

PABLO MARQUES/R7

 

Fonte: https://noticias.r7.com/saude/consegui-doar-sangue-e-possivel-mesmo-para-quem-tem-medo-25042023