Julgamento de Bolsonaro: votos de Moraes e Dino apontam caminhos para governo e oposição
Deputado bolsonarista afirma ter esperança de ministro Luiz Fux votar pela inocência dos réus

O julgamento do “núcleo crucial” da trama golpista será retomado na manhã desta quarta-feira, (10) com o voto do ministro Luiz Fux. É nele que os bolsonaristas depositam suas esperanças para diminuir o rigor dos dois primeiros votos proferidos pelos ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino na 1ª turma do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Temos esperança que o ministro Fux vote pela inocência, sim”, disse à Agência Pública o deputado federal Evair de Melo (PP-BA), membro influente da bancada ruralista no Congresso.
Melo e o tenente-coronel da reserva do Exército e deputado federal (PL-RS), Luciano Zucco, foram os dois únicos parlamentares da base de Jair Bolsonaro que acompanharam presencialmente a sessão desta terça-feira no STF.
Deputados federais ligados à base do governo Lula também compareceram ao julgamento, como Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e Ivan Valente (PSOL-SP).
“Logo no início do voto ficou muito claro que ele [ ministro Flávio Dino] se colocou contra qualquer tipo de anistia, como a que estão tentando emplacar no Congresso”, afirmou Feghali à Agência Pública.
Para o deputado Ivan Valente, há argumentos sensatos no voto do ex-ministro de Justiça e Segurança Pública, especialmente em relação à condenação de todos os réus do “núcleo crucial”. Mas discordou de punições mais brandas aos três réus citados por Dino.
“Admiro muito o trabalho do meu amigo Flávio Dino no STF, mas discordo de sua visão sobre o papel do general Augusto Heleno na trama, por exemplo”, afirmou o deputado.
“O general tem um largo histórico de ataques à democracia e era uma espécie de mentor do [Jair] Bolsonaro, então me preocupa muito a possibilidade de ele escapar de punições severas pelo que fez”, disse ainda.
Votos complicam para Bolsonaro e Braga Netto
Proferidos nesta terça-feira (9), os dois primeiros votos do julgamento da trama golpista dificultam a situação de ao menos dois dos oito réus do “núcleo crucial”, mas abrem brechas para um destino menos tortuoso para outros três – dois deles, ex-membros do Alto Comando do Exército Brasileiro.
Abrindo a sessão do dia, o ministro-relator do caso, Alexandre de Moraes, acompanhou 100% da acusação elaborada pelo procurador-Geral da República, Paulo Gonet. Moraes enquadrou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como “líder da organização criminosa” por tentativa de golpe de Estado, que culminou nos atos do dia 8 de janeiro de 2023.
Ao fim das mais de quatro horas de leitura de seu voto, Moraes defendeu a condenação dos oito réus pelos cinco crimes atribuídos a eles: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
Com exceção de um dos réus, eles podem ser punidos com até 43 anos de prisão – caso sejam condenados às penas máximas e elas sejam somadas.
Na sequência, o ministro do STF Flávio Dino seguiu o voto de Moraes no mérito, defendendo a condenação de todos os réus. Ao mesmo tempo, deu início à discussão sobre individualização das penas, o que interfere no tempo de eventuais prisões dos acusados.
Para Dino, Jair Bolsonaro e seu candidato a vice em 2022, o general da reserva do Exército Walter Braga Netto, devem receber penas mais duras que o restante dos réus.
Porém, o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, amenizou o papel de três réus: o deputado federal e ex-diretor-geral da Abin Alexandre Ramagem (PL) e os ex-membros do Alto Comando do Exército, os generais da reserva Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, que foram ministros do executivo até o fim do governo Bolsonaro.
“Este Tribunal já consagrou que dosimetria não é aritmética”, afirmou o ministro Flávio Dino.
Para Dino, a saída de Ramagem do governo em meados de abril de 2022, para disputar uma vaga na Câmara, o afasta de fatos centrais da trama golpista – sem, no entanto, inocentá-lo. “Até sair [do governo], ele praticou atos executórios [para o golpe], sim, mas depois eu vejo uma menor eficiência causal dele no caso”, alegou o ministro.
Em relação ao general Augusto Heleno, Dino afirmou que a tese da defesa do ex-ministro do GSI é “plausível”, por alegar que não há provas da participação de Heleno em reuniões e discussões acerca do golpe de Estado.
“Seu nome constava no tal ‘gabinete de crise’ que seria criado após o golpe? Sim. Mas, segundo os autos, ele não participa de reuniões decisivas – se por problemas pessoais, pelo Centrão, pouco importa, porque esse é o princípio objetivo”, afirmou o ministro.
Em relação ao ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, Flávio Dino concordou com a acusação e com parte do voto do ministro Moraes ao dizer que o ex-membro do Alto Comando “participou da trama até certo ponto – isso é incontroverso, segundo os autos”.
Mas o ministro defende que “há prova oral abundante” sobre uma mudança de postura do general após a reunião de apresentação da “minuta do golpe” aos chefes militares, em 14 de dezembro de 2022.
“Não está muito claro o que aconteceu no dia 14 de dezembro, se a desistência foi por vontade própria ou não. Me parece que fatores externos influenciaram, como a negativa dos comandantes [em aderirem ao golpe]”, afirmou Flávio Dino.
Sem detalhar como, o ministro do STF sugeriu ainda em seu voto que Ramagem, Heleno e Nogueira poderiam receber penas menores do que as previstas no Código Penal para os crimes atribuídos a eles na acusação.
Moraes refaz a cronologia do golpe e pede a condenação plena de todos os réus
Ao iniciar o debate sobre as penas de cada um dos oito réus do “núcleo crucial”, a posição do ministro Flávio Dino quase ofuscou o voto do ministro-relator do caso no STF. Como esperado, Moraes apresentou uma cronologia completa dos acontecimentos que, a seu ver, culminaram nos acontecimentos de 8 de janeiro.
Um dos principais alvos da trama golpista, o ministro defende que a “organização criminosa” se consolidou desde julho de 2021, com uma escalada de ataques e planos violentos de “causar o caos” para manter Bolsonaro no poder mesmo em caso de derrota nas eleições de 2022.
Moraes rebateu uma série de argumentos dos réus e reforçou que sua decisão se baseia em provas e evidências colhidas ao longo das investigações da PF.
“Veja o caso do ‘plano Punhal Verde Amarelo’: em dezembro, há três reimpressões [do plano] no Palácio do Planalto, todas na mesma data e com registro de presença dos réus Rafael Martins de Oliveira, Mauro Cid e Jair Messias Bolsonaro. Ora, todos estavam no mesmo horário, dia e local”, alegou Moraes.
Segundo o ministro-relator, evidências mostram que o general Mário Fernandes “imprimiu o ‘plano Punhal Verde Amarelo’ no dia 9 de novembro [de 2022] e registros colhidos pela Polícia Federal mostram sua entrada no Palácio da Alvorada, com permanência por mais de uma hora – quando ele o apresentou e entregou ao réu Jair Bolsonaro”.
“Alguém acha que ele fez um barquinho de papel com o plano [Punhal Verde Amarelo]? Isto é um verdadeiro insulto à inteligência deste Tribunal”, disse Moraes.
O ministro detalhou o papel de cada um dos réus e passou sinais aos acusados de outros grupos, como os militares da ativa e da reserva das Forças Especiais do Exército, os chamados “kids pretos”, que ainda serão julgados pelo STF em outras fases do julgamento.
“Havia bombas prestes a explodir, uma verdadeira organização criminosa financiando acampamentos na frente dos quartéis, ataques violentíssimos ao Judiciário, planejamento de mortes de autoridades com papel reservado aos ‘kids pretos’. E eles pararam para ter uma ‘conversinha de bar’? Obviamente que não. Ali foi redigida a carta para pressionar os comandantes das Forças Armadas a aderirem ao golpe”, declarou.